Exposição fotográfica – Nicola Lo Calzo

TRAGÉDIA

A série fotográfica TRAGEDIA (2019-2021) questiona as complexas ligações entre a memória da escravidão e do colonialismo em São Tomé e Príncipe e é uma arte teatral única no mundo: a Tragédia. Todas as semanas, tanto nos centros das cidades, como na orla da floresta, a Tragedia traz de volta as relações de poder do presente e do passado, o desejo de justiça do povo santomenses e a memória dos seus antepassados.

Em São Tomé e Príncipe, a Tragédia é um reflexo da sociedade santomense, organizada em comunidades históricas. Tchiloli e o Danço Congo são duas das suas principais expressões. Tchiloli, também chamada de “Tragédia do Marquês de Mântua”, é uma forma teatral de rua, excepcionalmente viva após ter sido importada da Europa no século XVI por colonizadores portugueses.

Durante quatro séculos, esta peça única do ciclo carolíngio e da literatura de cordel foi encenada na festa dos santos locais e, mais recentemente, nos feriados nacionais.

É uma forma de “arqueologia teatral”, como afirma a antropóloga Françoise Gründ. Ela é associada aos Forros, e aos descendentes crioulos de escravos libertos.

O Danço Congo, denominado “Tragédia do Capitão Congo”, é uma forma teatral pantomima, nascida à margem das festas concedidas aos escravos. Essa tradição é praticada pelos angolares, descendentes dos escravos quilombos presentes na ilha desde o século XVI.

Há também uma terceira forma teatral, apresentada na ilha vizinha do Príncipe, inspirada também no teatro europeu; Auto de Floripes.

É difícil compreender estas práticas teatrais sem ter em conta as suas ligações recíprocas, bem como as múltiplas contribuições africanas, europeias e crioulas das quais provêm e que definem, hoje, a identidade dos santomenses.

Perante os raros estudos antropológicos e fotográficos realizados sobre elas, eu penso em particular no trabalho fundamental de Fernando Reis. Esta obra fotográfica parte da necessidade de considerar estas diferentes formas teatrais na sua continuidade, como parte de um mesmo fenómeno sociocultural, a Tragédia.

O Tchiloli e o Danço Congo doa-nos, de forma complementar, o diálogo incessante que as populações colonizadas têm estabelecido com o sistema dominante, as suas negociações, as suas criações para escapar à violência do sistema colonial e seus desdobramentos na sociedade contemporânea.

As fotografias aqui apresentadas testemunham a complexidade destas múltiplas heranças intangíveis e a sua relação com as diferentes comunidades da ilha.

A Tragédia faz parte de um projeto de longo prazo sobre as memórias da escravidão, sua resistência e abolição, iniciado em 2020,com o projeto CHAM.

 

Agradecimentos

Eu agradeço a todos os participantes que aparecem neste projeto e também aqueles que foram fotografados, mas não são publicados aqui. Eu estendo as minhas mais profunda gratidão a todos os indivíduos, académicos, artistas, associações e instituições que me apoiaram neste trabalho e em particular:

Museu Nacional de São Sebastião

Tragédia florentina de Caixão Grande

Tragédia Formiguinha da Boa Morte

Danço Congo Masculino Veracruz,

Danço Congo Mini-Carocel de Almeirim

Grupo Tchiloli Feminino de Cachoeira

Muito obrigado à Alliance française de São Tomé e Príncipe, a Judith Sylva, Catarina de Abreu, Hilario Quaresma, Lauriane Chanel, Keila Pires dos Santos Will e Gabriel dos Santos.

Idioma:
  • Português
  • Français